quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Testemunho de um Mendigo salvo pela Palavra de Deus


Natal de 1994. Por volta das 2 horas da manhã do dia 25 de dezembro, um jovem de 18 anos, morador de rua, desistia de viver. Estava prestes a pular do Viaduto Doutor Arnaldo, na zona oeste da capital paulista. Já havia até escrito uma carta para a mulher que aprendeu a chamar de mãe, embora sequer soubesse de seu paradeiro. Sem pai nem mãe, abandonado aos 5 anos de idade, Milton Adalberto da Silva havia vivido até os 18 anos sob custódia do Estado.

Aos 6 anos de idade, seguiu para um orfanato no interior de São Paulo, de onde traz amargas lembranças de violência e descaso. Já adolescente, por volta dos 15 anos, foi para a Febem, como menor infrator. Saiu de lá e ficou 3 meses em uma pensão paga pelo governo, depois foi para as ruas de São Paulo. Passou fome, frio, medo, viciou-se em drogas e álcool. Tudo parecia perdido. Daí a ideia de se matar.
Naquela madrugada, porém, a vida de Milton, hoje evangélico, cantor de rap gospel, mudou. Um abençoado irmão, que por acaso passava no local, o abordou quando ele estava pronto para se lançar do viaduto. “Ele me disse que Jesus tinha um plano na minha vida, que não era para eu me matar. Aquele homem, que para mim era um anjo, fez grandes revelações e profetizou bênçãos sobre mim. Ele disse que Deus iria me tirar da rua e iria me honrar nesta Terra”.
Milton, ainda que confuso, pois nunca havia ouvido falar do Evangelho, creu naquelas palavras, aceitou Jesus e desistiu do plano trágico: “Senti uma paz muito grande, mas queria ver Jesus naquela hora, pensava que ele era um homem comum”. Era a primeira vez que alguém falava das boas-novas de Cristo para o rapaz que, até então, desconfiava da existência de Deus, tampouco conhecia Jesus.
O tempo passou, foram mais dois anos vivendo nas ruas, mas dia a dia as promessas de Deus foram se cumprindo em sua vida. Pessoas boas o ajudaram com emprego, lhe deram o que comer, o que vestir e Milton começou a sonhar. “Eu sentia que uma voz me dizia o que fazer e quem procurar”. Enquanto vivia nas ruas, almejava ser reconhecido pela sociedade, queria ser homem de bem, não um “peso”. “Resolvi tirar minha vida porque não queria me afundar nas coisas ruins, no roubo, no tráfico. Isso não tem volta”.
Agora no bom caminho, ele se inspira nas agruras que passou e na nova vida debaixo da graça de Deus, para compor seus raps. Milton é conhecido como o rapper Breakdown. Ele canta a sua história em várias canções, fala da violência sexual e maus-tratos sofridos no orfanato, dentre outros dramas que sofreu: “Deus me ajuda a lutar, pois minha mãe me deixou num mundo de dor”, diz um trecho da canção “Já é de madrugada”. A faixa faz parte de seu primeiro CD, uma edição especial, com oito canções e tiragem reduzida, que ele lança em setembro. É a realização de um projeto antigo, que ele concretiza com ajuda dos que se sensibilizam com sua história e acreditam no seu potencial artístico. As suas músicas são comoventes testemunhos contados nas batidas do rap. Como cantor independente ele já chama a atenção do meio secular. O rapper Breakdown foi indicado ao Prêmio Homem do Ano, promovido por Adela Villas Boas, na categoria artista independente. A revista Caras todos os anos faz coberturas especiais da premiação.
São mais de dez anos tentando emplacar as suas canções na mídia, para que todos possam ouvir e entender que uma pessoa na sarjeta tem sim o seu valor para Deus. “Eu era um ajudante de bate-estaca em uma obra em São Paulo, em 2001, quando conseguiu juntar R$ 1 mil e gravar a minha primeira fita cassete demo”, recorda.
Mesmo com tantas rasteiras da vida, Milton, incrivelmente, semeia a perseverança e não perde a fé. Já convertido, ele lembra que chegou por muitas vezes a ser expulso de igrejas evangélicas porque ainda era um mendigo: “Eu entrava na igreja, contava para os irmãos que tinha aceitado a Jesus, mas eles não acreditavam e me mandavam sair porque eu estava muito sujo. Diziam que se realmente eu fosse evangélico não estaria naquela condição. Ficava triste, mas não desistia, eu só precisava de ajuda”, lembra.
Em meio a tantas dificuldades em São Paulo, houve um momento que Milton resolveu voltar para o interior de São Paulo, na cidade onde cresceu no orfanato. Lá passou a frequentar uma igreja, casou-se, teve dois filhos (Micael, com 10 anos, e Noemi, com 11). Ficou três anos na cidade, mas acabou voltando para São Paulo, para continuar o seu projeto com a música. “Onde eu estava, os irmãos não aceitavam o rap, diziam que era coisa do diabo e que eu não deveria cantar mais aquilo, mas no meu coração Deus me dizia o contrário”, relembra.
Milton é movido pelo anseio de levar a palavra libertadora do Evangelho a pessoas que, como ele no passado, vivem na miséria, no abandono, na marginalidade, sem esperança. “Eu sou a prova de que Deus ama o pecador e tem um plano de Salvação para aqueles que creem em Jesus. Quero que todos saibam disso através da minha música”.
Em busca da própria história
Aos 35 anos de idade, Milton Adalberto da Silva sabe muito pouco sobre sua história. Tem no RG nome e sobrenomes sugeridos por um juiz, que também determinou nomes fictícios para seus pais, bem como a data de nascimento. No prontuário da extinta Febem/SP, hoje Fundação Casa, consta que ele foi entregue a uma instituição do governo em 25 de novembro de 1981. Em fevereiro de 1982, através de um exame de verificação de idade constava que ele tinha seis anos.
Milton não sabe nada sobre a sua família, o que sempre o perturbou. Encontrar sua mãe foi uma obsessão por longos anos. Procurou durante muito tempo por Maria Pereira da Silva – nome que constava em seus documentos, mas esta mulher, na realidade, não existia. Daí partiu em busca de Marly Lima da Silva, quem o entregou ao Estado, conforme descrição no prontuário. Uma escrivã, Iracema Merolla, o ajudou nesta busca incessante.
Foi em Mongaguá, no litoral sul de São Paulo, que ele reencontrou 30 anos depois a mulher a quem ele aprendeu a chamar de mãe: “Ela me contou que me entregou para o Estado porque seu marido não me aceitava. Na verdade, minha mãe biológica me deixou com ela, e nunca mais voltou”, conta Milton. O reencontro que ocorreu no início de julho de 2011 virou notícia de jornal, que repercutiu em vários veículos. A história foi estampada na capa do jornal O Diário de S.Paulo, além de outros veículos da mesma rede, como Bom Dia Jundiaí, Bom dia ABCD, Diário de Marília, Diário de Baurú, Diário de Ribeirão Preto, Diário de Sorocaba e Diário de São José do Rio Preto.
No início da década de 1980, Marly tomava conta de crianças em Cidade Ademar, na zona sul da capital. Nesta época, uma mulher, identificada como Maria, teria pedido para que ela tomasse conta do filho e desapareceu. Um ano e meio depois, Marly entregou o garoto à Justiça. Esta é a história registrada no prontuário da Febem. Segundo a própria Marly, ela procurou a Justiça para adotá-lo, mas não pôde porque tinha perdido os documentos em uma enchente. Só lhe restava a carteira de trabalho. Mais tarde, já com os documentos em mãos, não o encontrou.
Apesar da grande alegria por ter tido a oportunidade de abraçar Marly novamente, Milton ainda se vê diante da angústia de não saber do paradeiro de sua mãe e pai biológicos. Mas ele prefere se concentrar em outras coisas. O que mais o preocupa hoje é ver a difícil condição de Marly: “Quero muito ajudá-la, mas ainda não tenho recursos para dar uma moradia mais digna”, conta o rapaz, com olhar triste e ansioso.
O rapper sobrevive de alguns bicos e faz alguns trabalhos como garoto-propaganda de grifes que publicam anúncios na revista Tribo Skate. Mora em Diadema e frequenta a I greja Assembleia de Deus Mundial das Oliveiras, em Santo Amaro, há cerca de seis meses.
Remexendo nas lembranças
Muitas lembranças de Milton sobre seu passado ainda são confusas na sua cabeça. Ele recorda-se, com facilidade, porém, dos períodos mais dramáticos: “Uma situação que me revoltou demais foi quando um casal estrangeiro apareceu no orfanato e queria me adotar, mas a direção não deixou, sugeriu outro garoto. Eutrabalhava bastante lá, eles não queriam me deixar ir embora”. Tomado pela raiva, Milton conta que colocou fogo em colchões e, por conta disso, foi encaminhado aos 15 anos para Febem de Lins (SP) como menor infrator.
Dos primeiros anos que esteve sob custódia do Estado de São Paulo, num abrigo de menores na Rodovia Raposo Tavares, Milton diz que viveu nas instalações onde hoje funciona três núcleos da Fundação Casa. A reportagem o acompanhou em uma visita ao local, onde ele deu seu testemunho de superação a vários internos ereviveu algumas lembranças. Após sucessivas reformas e adequações, os prédios estão muito diferentes de sua época. Os núcleos têm estruturas que parecem escolas, exceto por algumas grades. Do passado, ainda há resquícios da antiga piscina – hoje um estacionamento – onde Milton sonhava em brincar. “Eu tinhadificuldades para andar, vivia na cadeira de rodas e nunca pude entrar na piscina”, contou.
Ele passou por várias instalações do núcleo e conversou com alguns internos. Em uma das conversas, na qual testemunhava que Deus ama a todos, um rapaz o questionou: “Será que Ele me ama mesmo, fiz tantas coisas erradas”. Milton respondeu com convicção: “Claro, tenho certeza disso”. Desconfiado, o garoto o desafiou. “Que provas você me dá que Deus me ama?”. Sem titubear, Milton respondeu: “Eu sou a sua prova do grande amor de Deus por nós”.
Mais oportunidades
Como exemplo de superação, Milton foi muito bem recebido por diretores da Fundação Casa da Raposo Tavares. Refeito de seus traumas, ele observou que os meninos internos hoje têm muito mais estrutura e apoio do que ele teve na extinta Febem. “Espero mesmo que eles se recuperem e retomem as suas vidas. Para mim, foi muito mais difícil”, conta.
Uma das iniciativas que Milton mais apreciou foi o fato de que grupos evangélicos da Igreja Deus é Amor e Universal do Reino do Deus fazem cultos às quartas, sábados e domingos. Segundo Sandra Regina de Sá, diretora do Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente, onde Milton e a reportagem da Exibir Gospel entraram, cerca de 10% a 15% dos 67 adolescentes da unidade se reúnem nos encontros evangélicos. “Eu nunca ouvi a Palavra de Deus no orfanato nem na Febem. Uma pena”, lamenta.
Sobre o perfil dos garotos que hoje estão na Fundação Casa da Raposo Tavares, a diretora avalia que a maioria são usuários de drogas, tem baixa escolaridade e carentes. “Temos observado também um aumento entre jovens de classe média, com ausência da figura paterna. Mas podemos dizer que o entorpecente é a porta para o crime”.

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